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Deliberação Moral: Certo, Errado e os Limites da Escolha

Atualizado: 26 de fev.

A ética nos desafia a refletir sobre nossas ações e suas justificativas. A moralidade de nossas ações não é avaliada no vácuo, mas dentro de um sistema de normas e valores. As normas são regras que regulam o comportamento dentro de um grupo, sociedade ou instituição. Elas podem ser explícitas, como leis e regulamentos, ou implícitas, como costumes e convenções sociais. Seu objetivo é estabelecer padrões de conduta e garantir a convivência harmônica entre os indivíduos. 

Já os valores são princípios morais que orientam nossas decisões e atitudes. São ideias abstratas sobre o que é considerado bom, justo ou desejável dentro de uma cultura, ou para um indivíduo. Enquanto as normas são impostas externamente, os valores são subjetivos e servem como base para a construção de juízos éticos. No entanto, nem sempre os valores e normas são suficientes para resolver dilemas. 

Um conflito moral ocorre quando dois ou mais princípios éticos entram em choque, tornando difícil determinar qual ação é correta. Esses dilemas exigem reflexão, pois qualquer escolha pode ter implicações éticas significativas.Nem sempre as decisões morais são simples, e para tomá-las precisamos considerar critérios racionais e não apenas preferências pessoais. Um exemplo clássico envolve a mentira: se mentir geralmente é errado, existe alguma situação em que seja aceitável?

Pense em um cenário: um amigo seu está concorrendo a um emprego e lhe pergunta se você acredita que ele tem boas chances de ser contratado. Você sabe que a empresa já escolheu outro candidato, mas, ao invés de dizer a verdade, responde com um “acho que você tem chance”, para que ele não se sinta desmotivado antes da confirmação oficial. Essa mentira pode ser considerada justificável? Embora sem a intenção de prejudicar, essa ação pode ser questionada eticamente. Ela poderia ser classificada como moralmente permitida, pois sua consequência não causa um dano significativo, mas também não pode ser considerada uma obrigação moral.

Agora imagine outro caso: você trabalha em uma organização governamental e descobre que um colega denunciou um esquema de corrupção dentro da instituição. Ele teme retaliações e decide se esconder temporariamente. Quando questionado diretamente por um superior que pode estar envolvido no esquema, você nega saber onde ele está, tentando protegê-lo de possíveis ameaças. Essa mentira parece muito mais defensável do que a primeira, pois protege uma pessoa em perigo e impede que uma injustiça ocorra. Aqui, poderíamos argumentar que essa mentira é moralmente necessária, pois envolve a defesa de um indivíduo vulnerável e pode até contribuir para o bem coletivo.

Agora, pense em um terceiro caso: um funcionário comete um erro grave na empresa que pode prejudicar clientes e causar danos financeiros significativos. Para evitar a responsabilidade, ele mente no relatório e culpa um colega inocente, garantindo que ele receba a punição em seu lugar. Essa mentira tem um impacto negativo direto, prejudicando injustamente outra pessoa e comprometendo a integridade da organização. Nesse caso, a mentira é claramente moralmente proibida, pois viola princípios fundamentais de justiça e responsabilidade.

Esses exemplos mostram que nem todas as ações podem ser classificadas simplesmente como certas ou erradas. Algumas decisões podem ser moralmente obrigatórias, outras moralmente permitidas, e algumas moralmente proibidas. O contexto, as intenções e as consequências desempenham um papel crucial na avaliação ética de cada situação.

Na ética, algumas ações não são apenas recomendadas, mas moralmente necessárias, ou seja, devemos realizá-las porque são exigidas por princípios éticos fundamentais. Ajudar alguém em perigo, socorrer uma pessoa ferida ou impedir um ato de injustiça são exemplos de obrigações morais que transcendem a escolha individual. Negligenciar essas ações pode ser considerado moralmente errado, pois envolve a omissão diante de uma necessidade evidente de auxílio ou justiça.

Por outro lado, há situações em que uma ação é moralmente permitida, o que significa que a pessoa tem liberdade para decidir se deseja realizá-la ou não, sem que isso implique culpa moral. Doar para a caridade, escolher entre duas carreiras igualmente éticas ou seguir uma tradição cultural são exemplos de decisões que cabem ao indivíduo. Nessas situações, não há um imperativo ético que torne a ação obrigatória, mas também não há nenhuma proibição moral clara.

Já as ações moralmente proibidas são aquelas que não devem ser realizadas, pois violam princípios éticos fundamentais e causam danos a outras pessoas ou à sociedade. Atos como roubar, mentir para prejudicar alguém ou causar sofrimento intencionalmente são moralmente condenáveis, independentemente do contexto. Essas ações são vistas como inaceitáveis porque comprometem valores essenciais como a justiça, a honestidade e o respeito pelos direitos dos outros.

A distinção entre ações moralmente obrigatórias, permitidas e proibidas nos leva a um questionamento mais amplo: como determinar o que é certo ou errado? Ao longo da história da filosofia, diferentes correntes éticas surgiram para responder a essa questão, oferecendo diferentes critérios para julgar a moralidade de uma ação.

Uma das abordagens mais flexíveis é o relativismo moral, que argumenta que o certo e o errado dependem do contexto cultural, social ou individual. Segundo essa visão, não existem verdades morais universais, pois diferentes sociedades podem ter normas distintas que determinam o que é moralmente aceitável. No entanto, essa abordagem enfrenta desafios, pois pode justificar práticas moralmente questionáveis apenas com base na cultura ou tradição.

A ética da virtude, desenvolvida por Aristóteles, foca no caráter da pessoa que age, em vez de analisar apenas os atos isoladamente. Segundo essa visão, devemos buscar cultivar virtudes, como coragem, justiça e honestidade, que nos tornam bons indivíduos. A moralidade, portanto, não depende apenas de regras ou consequências, mas de desenvolver um caráter virtuoso e agir conforme ele.

Já a deontologia, associada a Immanuel Kant, sustenta que existem deveres morais absolutos que devemos seguir independentemente das consequências. Segundo essa abordagem, certas ações são inerentemente certas ou erradas, e a moralidade é baseada no cumprimento de princípios racionais e universais. Por exemplo, para a deontologia, mentir seria sempre errado, independentemente das circunstâncias.

O consequencialismo, por outro lado, argumenta que a moralidade de uma ação deve ser avaliada com base em seus resultados. O utilitarismo, uma das formas mais conhecidas de consequencialismo, afirma que devemos agir de maneira a maximizar o bem-estar geral e minimizar o sofrimento. Assim, uma ação pode ser justificada se resultar no maior benefício possível para o maior número de pessoas.

A ética dos direitos enfatiza a proteção e o respeito a direitos fundamentais que todos os indivíduos possuem, independentemente das consequências ou do contexto social. Essa abordagem sustenta que existem direitos inalienáveis, como o direito à vida, à liberdade e à dignidade, e que qualquer ação que viole esses direitos é moralmente errada.

Por fim, a ética do cuidado propõe uma visão mais sensível às relações interpessoais e às responsabilidades que temos com aqueles com quem nos conectamos. Em vez de priorizar regras universais ou maximização do bem-estar, essa abordagem enfatiza a importância de agir com empatia e atenção ao impacto das nossas ações sobre as pessoas próximas a nós.

Cada uma dessas correntes filosóficas oferece uma perspectiva única sobre como determinar o que devemos ou não fazer. Ainda outras existem. Ao estudá-las, podemos desenvolver uma compreensão mais profunda da moralidade e aprimorar nossa capacidade de tomar decisões éticas bem fundamentadas.


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