Filosofia da Religião: Feuerbach
- Rodrigo R de Carvalho
- 5 de mar.
- 4 min de leitura
Há quem defenda a existência de Deus a partir de uma religião específica e sua justificação teológica, tal como Agostinho fez a partir da fé Cristã e a quem busque desenvolver argumentos racionais independentes da teologia, independentemente de sua tradição religiosa, como vimos Descartes e Pascal. Na aula de hoje veremos como o ateísmo se tornou uma crítica da religião extremamente contundente na contemporaneidade.
O ateísmo consiste não na negação de um Deus, de uma pluralidade de deuses ou de uma religião específica, mas sim da própria concepção de Deus, colocando em xeque toda forma de fé religiosa. O ponto de partida dessa crítica da religião não será a natureza, mas o ser humano.
Feuerbach (1804-1872) realiza uma redução antropológica em sua análise sobre a religião, com isso ele nega Deus e afirma em seu lugar o ser humano. Sua concepção é que a libertação humana necessita de passar pelo abandono da concepção de Deus. A religião é, nesse sentido, pura alienação, um obstáculo que impede o homem de se emancipar, seja economicamente, seja politicamente.
As definições e conhecimentos metafísicos e teológicos atribuídos a figura de Deus são na verdade pertencentes ao ser humano, são sua essência e seu autoconhecimento que foram projetados fora de si e assim alienados de si. “Deus é o ser infinito, o homem o ser finito; Deus é perfeito, o homem imperfeito; Deus é eterno, o homem temporal; Deus é onipotente, o homem impotente; Deus é santo, o homem Pecador. Deus e homem são dois extremos: Deus é absolutamente positivo, o conteúdo de todas as realidades; o homem é o negativo, o nada (A essência do cristianismo, p. 77)”
Tudo que existe na concepção materialista de Feuerbach é o homem e a natureza, nada mais. A natureza é o primeiro e primário, o pensamento e a consciência são derivações da natureza. Com efeito, devemos entender de onde surge a religião para ele, sendo ela o traço reconhecido que nos separa dos demais animais. O ser humano é um ser que consegue refletir sobre sua própria essência, no entanto, neste processo ele projetaria sua essência fora de si, chamando o resultado de Deus.
Razão, vontade e coração são a essência do ser humano, essência essa tematizada pela consciência no que vem a se chamar Religião. A busca por Deus se dá pela interioridade do próprio homem, não pela investigação do mundo natural, sendo assim, o que a religião faz nada mais é que uma antropologia, um estudo do próprio ser humano.
O homem religioso é identificado como alienado, pois pensa apenas na outra vida e deixa de viver e de se comprometer em mudar e transformar este mundo. A invés de esperar a justiça e a felicidade no outro mundo Feuerbach deseja que o homem busque a realização neste mundo, o único que para ele existe. A religião, centrada no além vida, acabaria por nos tornar reféns do sofrimento, da miséria e da infelicidade deste mundo, nos convidando a permanecer resignados frente a essas injustiças.
“Quando a vida celestial é uma verdade, é a vida terrena uma mentira, quando a fantasia é tudo, a realidade não é nada. Quem crê numa vida celestial eterna, para ele esta vida perde o seu valor. Ou antes, já perdeu o seu valor: a crença na vida celestial é exatamente a crença na nulidade e imprestabilidade desta vida” (A essência do cristianismo, p. 202).
Defende com isso que razão e fé, teologia e filosofia, imanência e transcendência, iluminismo e cristianismo são inconciliáveis. Nessa medida toma o partido do que pensa ser a razão, da filosofia, do materialismo e da imanência e do iluminismo ateu. O homem é tomado como realidade concreta e material, como corpo consciente. A realidade é o que vejo através dos sentidos, é a natureza diante de mim, e nada mais. Toda introspecção que funda a religião é uma reflexão não sobre a natureza imanente, nem sobre uma esfera transcendente, mas sobre o próprio ser humano.
A religião deveria ser substituída pela filosofia, mais precisamente pela antropologia filosófica, assim poderíamos romper a alienação e identificar que o que atribuímos a Deus se refere ao ser humano, a partir disso poderíamos no dedicar a transformar este mundo construindo nele as condições para felicidade e justiça. Deste modo, estaria rompida a grande ilusão que é a religião, estaria superada a fase infantil da humanidade a qual não reconhece sua potência e sua destinação atribuindo o protagonismo a outro Ser, a outra vida. No lugar do cristianismo teríamos um humanismo ateu e científico.
“Assim a Bíblia deverá ser corrigida, pois não é Deus que criou o homem, mas ‘o homem criou Deus à sua imagem e semelhança’ (A essência do cristianismo, p. 158). O homem é o grande projeto e Deus a sua projeção.”
A onisciência de Deus como objetivação da inteligência humana, a perfeição moral de Deus como objetivação da vontade da consciência humana, o amor de Deus como capacidade do ser humano de amar. “Tudo o que o homem fala acerca de Deus, através da linguagem religiosa, nada mais é do que confissão de seus desejos, projetos e aspirações. Por isso precisamos amar não a Deus, mas ao homem: crer não em Deus, mas no homem; interessar-nos não pelo além, mas pelo aquém.”
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