Freud: Ateísmo Psicanalítico
- Rodrigo R de Carvalho
- 5 de mar.
- 4 min de leitura
O século XIX trouxe de maneira muito contundente uma forma de ateísmo que se ampara em um cientificismo, a crença de que a ciência poderia prova que Deus não existiria e que, por isso, a religião seria uma ilusão. Tanto Feuerbach, quanto Freud, e como veremos também Nietzsche, estão na esteira daqueles que profetizaram o fim da religião.
Vimos na aula passada que em Freuerbach o cientificismo ganha a figura de um materialismo onde todo o transcendente é negado, a libertação da sociedade, das injustiças e do sofrimento dependia do fim da alienação religiosa. Com Freud temos um cientificismo, como Feuerbach, concorda com a perspectiva de religião como fase infantil da humanidade que deve ser substituída pela ciência, no entanto, sua abordagem é um tanto distinta, pois sua crítica parte da análise da psique humana, sendo a religião entendida como uma neurose coletiva, Freud, diferente de Feuerbach não põe sua crença na práxis do ser humano em lugar de Deus, mas na produção científica, Se o Deus de Feuerbach é o próprio ser humano e sua capacidade de transformar o mundo, o Deus de Freud é a ciência moderna e sua capacidade de entender e desvendar o ser humano e o mundo.
O ponto central para compreender o desenvolvimento do ser humano e da raça humana na história é o conceito de desejo e seu conflito com a realidade. A imaginação humana, levada pelo desejo produziu as ideias de Deus, de providência benevolente, de ordem moral e de vida posterior. Cada uma dessas ideias nada mais são que desejos humanos, a realidade e a natureza são cruéis conosco, por este motivo desejamos projetar nela um pai que nos ame e que seja verdadeiro e justo, desejamos um destino que nos leve ao belo, bom e verdadeiro, desejamos que aja um certo e um errado na conduta humana que será recompensado, desejamos jamais morrer de fato, ainda que seja uma vida como alma ou espírito. O resultado de todos estes desejos são as ideias que compõem as religiões, nesse sentido a religião é uma ilusão da imaginação humana, da não aceitação da realidade.
Este processo que transforma a natureza material e mecânica em algo vivo e espiritual é a chamada cultura. A cultura é a tentativa de o homem dar sentido e dominar a natureza. O homem é um ser natural, de instintos e impulsos que o determinam, deste modo um animal como qualquer outro, mas ele produz cultura, isto é, tem a capacidade de renunciar ou transformar a maneira pela qual realiza estes impulsos e instintos. A vida do ser humano é este eterno conflito entre seus impulsos e a possibilidade de realizá-los em sociedade, o adoecimento mental surge justamente quando não se consegue uma maneira de satisfazer estes impulsos.
O ser humano tem a capacidade de reprimir e rejeitar desejos e impulsos contrários as regras morais da sociedade, no entanto, caso a energia psíquica deste desejo não seja sublimada na forma de arte, ciência, religião, filosofia, ou qualquer outra atividade ela retorna na forma de doença, de um sintoma neurótico. A psicanálise tem o papel de trazer à tona esses desejos e impulsos para liberar a energia acumulada. Muitas das vezes o material reprimido se realiza em sonhos, uma opção substitutiva.
A estrutura psíquica se divide em: Ego, superego, id: o ego é a parte organizada da consciência, em contato com o mundo externo busca submeter-se a seus fins. Foi a parte do id que se transformou sob o impacto do mundo externo, dos sentidos e da linguagem, o princípio de prazer que é a essência do id entra em conflito com o de realidade dado primeiro origem ao ego e depois a superego ao introjetar as proibições morais. O ego é a instância que gerencia o conflito entre o princípio de prazer e de realidade, entre o id e o superego.
Os desejos citados como origem da religião são frutos dos impulsos mais primitivos e profundos do id, mas assim como os indivíduos devem respeitar as regras do princípio de realidade buscando outra maneira de realizar os desejos inconsequentes, devemos substituir a religião pela ciência, abandonar o desejo infantil de um Deus e compreender que o mundo material e mecânico é tudo que há, descobrir o que pudermos deste mundo e dele nos apossar.
A religião, assim como a arte, filosofia e a ciência são formas de exercer domínio sobre a realidade. No entanto, na religião e na arte ainda somos ingênuos e deixamos a imaginação nos fazer crer em coisas que não são reais, mas sim ideias fruto de desejos, a ciência nos apresentaria a verdade nua e crua, na qual a natureza é indomável, e nem mesmo nosso inconsciente pode ser desbravado pela consciência.
O desenvolvimento da conscientização humana passa por três estágios para Freud, o primeiro o estágio mágico, o segundo o religioso, o terceiro o científico, a cada um deles uma etapa no processo histórico de conscientização do ser humano, de suas limitações frente a si mesmo e a natureza, e de sua capacidade de exercer domínio sobre a realidade.
A religião é o lugar para onde o ser humano foge para não ter de lidar com a dura realidade da condição humana frente a si mesmo e ao mundo, o fundamento da religião é o sentimento de desamparo frente ao terror da natureza, a crueldade do destino e as privações dos desejos.
O problema da religião para Freud é que devemos crer sem exigir provas racionais, devemos crer por que nossos antepassados creram, devemos crer porque existem as provas das tradições. A religião é com isso mera ilusão, ela não desvenda uma realidade transcendental, expressa apenas o desejo infantil de dar sentido a natureza, ao sofrimento, a injustiça e a morte através do conceito de Deus-pai.
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