Kant e o espírito do Iluminismo
- Rodrigo R de Carvalho
- 25 de jun.
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O século XVIII é considerado "o século das luzes”, pois nele se identifica um certo espírito de época, a saber, a concepção de que a razão é capaz de organizar o mundo humano, entendendo como mundo todas as esferas do saber e das práticas artísticas, sociais e políticas. Seu principal objetivo e espinha dorsal do movimento foi o uso da razão para combater o fanatismo, a intolerância, a escravidão, a tortura e a guerra, e assim, se libertar de medos irracionais, superstições e crendices, somente deste modo seria possível constituir uma nova ordem racional para a sociedade.
Em linhas gerais, o Iluminismo defende a capacidade humana de conhecer a realidade e intervir e transformá-la, utilizando como ferramenta a razão, seu objetivo final é produzir uma vida organizada e melhor. Tal concepção é universalista e unificadora, pois a tarefa de descobrir princípios da própria razão que organiza as esferas da vida é independente de credo religioso, de cultura ou de momento histórico, isto é, tais princípios seriam verificados por todos os seres humanos, uma vez que são seres racionais.
Influências
As ideias que deram forma ao Iluminismo não surgiram do nada, elas são encontradas em processo de construção no Renascimento e em sua batalha contra a autoridade, em especial, a autoridade religiosa. Nesta primeira influência já podíamos ver com bastante clareza a defesa da autonomia humana no uso de seus poderes racionais. Tais poderes da razão deveriam ser mobilizados para resolver os problemas dos diferentes domínios, seja político, econômico, moral ou religioso, pois os princípios racionais seriam capazes de avançar nos conhecimentos e organizar as esferas da vida.
A segunda raiz de extrema relevância para se compreender o espírito iluminista é a Revolução Científica. Galileu, no século XVII, promoveu com seu método experimental avanços significativos para o conhecimento, em sua esteira o desenvolvimento técnico ancorado neste conhecimento começa a nutrir as teses do progresso através do conhecimento e domínio sobre a natureza. Com o passar do tempo tal tese ganha força na medida que o conhecimento se acumulava e mostrava seu uso seja na química, física ou matemática. A ideia de progresso começa a se formar sobre a crença de que a razão, a ciência e a tecnologia poderiam impulsionar o trem da história em direção à verdade e ao progresso humano.
Autores
Montesquieu (1689-1755): Defendeu a separação dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) com o objetivo de proteger as liberdades individuais, um desenho institucional que perdura até hoje.
D’alembert (1717-1783) e Diderot (1713-1784): enciclopedistas que organizaram 33 volumes de saberes filosóficos e científicos que, em linhas gerais, defendia o racionalismo, a independência do Estado em relação a Igreja e a confiança no progresso.
Voltaire (1694- 1778): importante crítico da intolerância religiosa, também defensor de uma monarquia constitucional que respeitasse as liberdades individuais, em especial, a liberdade de pensamento, concepção esta que ficou cristalizada na seguinte frase: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-las."
Rousseau (1712-1778): um dos precursores do romantismo, preocupou-se com os excessos racionalistas, defendeu que o soberano deveria ser um executor da vontade geral, o que denota, por um lado, sua base democrática e defesa da igualdade jurídica e, por outro, seu objetivo de construção do bem comum.
Smith (1723-1790): importante teórico do liberalismo econômico que criticava a intervenção e a regulação excessiva do Estado, defendia que com liberdade econômica as relações entre procura e oferta se equilibrarem.
Condorcet (1743-1794) defendeu a expansão dos direitos civis às mulheres e foi perseguido e morto pela revolução que apoiava.
Diversas revoluções se inspiraram nestas ideias, entre elas: Revolução Gloriosa (1688); Revolução Francesa (1789); Independência Americana (1776); Conjuração Mineira (1789); Conjuração Baiana (1798)
Kant e o Esclarecimento
“lluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.” (grifo nosso) (O que é o iluminismo? Immanuel Kant)
Kant percebe que é cômodo permanecer na menoridade, isto é, tutelado por outrem, seja por covardia seja por preguiça. A tarefa de pôr-se em liberdade é uma tarefa individual, uma exigência de cada indivíduo enquanto detentor de um entendimento. Se por um lado Kant deseja que se siga a lei, defende com igual força que a leis e as tradições possam no âmbito acadêmico, no uso público da razão, serem questionadas, criticadas. Isso ocorre justamente por uma defesa da liberdade, em especial da liberdade de pensamento e de exposição das ideias, ainda que no uso privado da razão, em sua ocupação, a lei deva ser cumprida.
Kant defende que a missão do erudito, no uso público da razão, é refletir sobre a ordem constituída de modo que difunda tal reflexão até que ela seja apreciada pelo público e, caso tenha seu mérito, reúna vozes em favor de tal transformação. É neste sentido que Kant se debruça sobre as principais perguntas da Filosofia, a saber: O que podemos conhecer? (Epistemologia) O que devemos fazer? (Ética) O que podemos esperar? (Filosofia da Religião) O que é o ser humano? (Antropologia)
Em suas três obras fundamentais, chamadas de três Críticas (Razão pura, Razão Prática e Faculdade do Juízo), Kant procura estabelecer quais são os princípios racionais e universais que dão fundamento para a ciência, para moral e para a arte, bem como apresentar quais são os limites destes conhecimentos. O projeto kantiano é promover uma crítica da razão em seu uso teórico e prático, isto é, como a razão humana se comporta quando busca conhecer algo, como ela se comporta quando o sujeito age e, por fim, quando julga artisticamente.
Na primeira Crítica, busca estabelecer os princípios dos juízos do conhecimento, visando com isso responder à pergunta: o que podemos conhecer? Essa investigação levará Kant a buscar uma superação tanto do empirismo quanto do racionalismo, uma vez que deseja estabelecer os limites e as leis universais e necessárias do conhecimento. Nesta obra Kant relata que Hume, através de sua crítica ao princípio de causalidade o despertou de seu "sono dogmático", pois não havia lhe ocorrido que a relação entre causa e feito não pertenciam ao mundo empírico.
Kant percebe que durante toda tradição filosófica o foco sempre esteve em compreender o objeto, suas características particularidades, no entanto, ninguém havia se dedicado a compreender o pólo do sujeito, isto é, como a subjetividade humana formata nossa experiência do mundo. (Como Copérnico que deslocou o eixo do sistema solar da terra para o Sol, Kant desloca o eixo da filosofia do objeto para o sujeito) A pergunta é: Quais são as estruturas da minha subjetividade (mente) que organizam minha experiência e meu pensamento. Estruturas da sensibilidade (Tempo e Espaço) estruturas do entendimento (12 categorias)
A pergunta é: Quais são as estruturas da minha subjetividade (mente) que organizam minha experiência e meu pensamento. Estruturas da sensibilidade (Tempo e Espaço) estabelecem as condições de possibilidade de toda experiência sensória de todas as representações sensíveis. Estruturas do entendimento (12 categorias) possibilita ao sujeito pensar as representações. O entendimento tem o poder de juntar percepções, por exemplo, o sol ilumina a pedra e a pedra aquece, junta-se aqui duas percepções, deste se conclui, através do uso de uma categoria do entendimento, um juízo de experiência, a saber, o sol aquece a pedra, este universal e necessário, pois utilizou-se da categoria de causalidade.
Teoria dos juízos
Em sua resposta, apresenta a famosa teoria dos juízos que os separa entre puros (a priori) e empíricos (a posteriori), entre analíticos (elucidativos que não adicionam novo conhecimento) e sintéticos (ampliadores do conhecimento) Juízo analítico a priori Juízos sintéticos a posteriori Juízos sintéticos a priori Ex: O triângulo ter três lados e o triângulo ser vermelho.
Ética Kantiana
Na segunda Crítica, que versa sobre a ética e moral, busca responder à questão de como devemos agir? Defendendo a tese de que é possível para o ser humano conhecer os princípios racionais da conduta humana e se guiar por eles. Crítica toda forma de heteronomia, isto é, toda tutela baseada em autoridade, por julgar que ela conduz a preconceitos e fanatismo. Com isso, defende o ideal de tolerância e de autonomia do sujeito moral, isto é, a tomada de decisão autônoma através da livre vontade.
Nem a finalidade subjetiva, nem um fim último absoluto são tematizados na ética kantiana, por este motivo essa é uma ética do móbil e não uma ética do Fim. Assim, Kant rompe com as éticas hedonistas do prazer como felicidade individual e com as éticas eudaimonicas, da felicidade enquanto Bem supremo, como em Aristóteles ou também as éticas do amor a Deus como forma de satisfação e felicidade. Sua oposição se justifica pelo fato destas éticas estarem todas elas na condição de heteronomia, isto é, motivadas por um interesse externo a razão, quando a motivação ética deve ser pura e desinteressada.
Nem a conquista da felicidade, nem o prazer, ou tão pouco a utilidade, serviriam de fundamento para a ação que se deseja ser chamada de moral, todas elas são seduções empíricas. Qualquer intenção que leve em conta em algum nível, mesmo que acessório, motivos empíricos acaba por contaminá-la de modo tal que a ação deixa de ser considerada como moral. Cabe neste ponto realizarmos uma separação quando a forma da ação e quanto a motivação da ação. Uma ação na forma da lei moral possui o que Kant chama de legalidade, uma ação que está na forma da lei moral e acontece pelo dever possui o que Kant chama de moralidade. A moralidade de uma ação depende não só de fazer o que é moralmente certo, mas também fazer motivado pelo fato de ser certo, e não por outra inclinação qualquer.
Kant defende que o ser humano enquanto ser de liberdade é capaz de seguir dois tipos de imperativos, os hipotéticos e o categórico: no primeiro, temos uma ação possível como meio para alcançar alguma finalidade; no segundo, seria uma lei formal “revelada” pela razão. A lei moral é um fato da razão, ela nasce da razão pura prática e se impõe em toda sua dignidade. O ato moral, desta forma, será somente aquele conforme a razão, conforme a lei prática pura. A fórmula para o imperativo categórico é "Age de tal maneira que possas querer que a máxima de seu ato se converta em lei universal" A ação que você deseja verificar se é moral ou imoral deve ser colocada como nesta fórmula, caso seja possível querer, sem contradição, que a ação possa se tornar lei universal então ela é moral, caso não possa se tornar lei universal é imoral, pois é uma contradição uma impossibilidade lógica.
Com isso, temos três ações possíveis: ação conforme ao dever, ação contrária ao dever e ação por dever. A ação conforme ao dever é aquela que na forma é compatível com a lei moral; a ação contrária ao dever aquela que é incompatível; por último a ação por dever é aquela que não só é compatível na forma como também é realizada pelo dever, pelo respeito à lei. Temos também três obstáculos a ação moral, o primeiro é quando sabemos o que é o certo, desejamos fazer o moral, mas as inclinações falam mais fortes que nossa vontade moral; o segundo é quando sabemos o qual ação é moral, desejamos fazê-la, mas usamos como motivação outro elemento que não o respeito à lei; por fim, o que foi chamado por Kant de malignidade, é quando desejamos que uma ação imoral torna-se máxima.
Na terceira e última Crítica, Kant buscou estabelecer quais princípios regem o mundo estético, isto é, como se explica nossos juízos sobre a arte, como se dá o sentimento de prazer característico dessa atividade humana. Guinada subjetivista (beleza como sentimento daquele que julga) Juízo de conhecimento (revela propriedades do objeto) A rosa é branca. x Juízo estético (revela sentimentos do sujeito) A rosa é bela. O prazer estético é desinteressado, desvinculado de uma utilidade.
Na era das FakeNews já resolvemos os problemas sobre o conhecimento e a ciência, seus critérios e seu valor? A luta pelos direitos civis, políticos e sociais, contra toda forma de preconceito já foi vencida? O ser humano alcançou um patamar moral de respeito e tolerância adequados a sua capacidade?
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