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O Hegel do Absoluto 3/4

O Hegel maduro, em contraste com o jovem Hegel, orienta sua obra para uma construção mais filosófica do que teológica. Sua preocupação central continua sendo a compreensão da relação entre o finito e o infinito. Ele concebe o finito como um momento verdadeiro do infinito, argumentando que ambos são interdependentes, contrários, mas não contraditórios.


Essa abordagem complexa, que vê a identidade na diferença, é uma herança significativa de Schelling, que afirmava que a identidade ocorre mesmo contendo a diferença. Para Hegel, o finito e o infinito, embora pareçam separados, muitas vezes se identificam. Essa ideia pode ser ilustrada no desenvolvimento de uma planta, onde a negação de uma fase leva a outra, mas todas as etapas fazem parte de uma única unidade, a ideia da planta.


A filosofia hegeliana é uma vasta síntese do idealismo alemão, incorporando e culminando os debates iniciados por Kant e expandidos por figuras como Fichte, Schelling e Hölderlin. Ignorar essa "constelação" de pensadores pode resultar em uma compreensão limitada de sua obra. Saltar diretamente de Kant para Hegel, comum em muitos manuais, falha em reconhecer as contribuições dos filósofos intermediários, essenciais para desvendar a complexidade de Hegel.


O Absoluto, para Hegel, é o pensamento que pensa a si mesmo, o espírito ou o sujeito autoconsciente. Ele transcende a mera metafísica, sendo uma questão ontológica que fundamenta o próprio Ser e uma questão epistemológica ligada ao conhecimento da consciência. Tudo na história e na consciência se desdobra como momentos desse Absoluto, num processo que se assemelha a uma autobiografia do espírito, revelando-se e refletindo sobre si mesmo através das consciências particulares.


A religião é uma das três formas principais do espírito para Hegel, ao lado da filosofia e da arte. Ela se desenvolve dialeticamente em três momentos: a religião natural, presente em culturas como a persa, hindu e egípcia; a religião estética, exemplificada pelos gregos; e, por fim, a religião revelada, manifestada no cristianismo. Esse processo de desenvolvimento prepara a consciência humana para um estágio mais elevado de autoconsciência.


Enquanto o jovem Hegel considerava a experiência religiosa como a unificadora do finito e do infinito, o Hegel maduro passa a ver na filosofia e na autoconsciência as ferramentas para essa unificação. Embora a religião seja um momento crucial, ela ainda lida com a diversidade das crenças. A verdadeira unificação do conceito de Deus, o reconhecimento de que há apenas um Deus (o Absoluto), ocorre no pensamento, na consciência filosófica.


A religião, portanto, deve conduzir à filosofia da religião, migrando da dimensão subjetiva e sentimental para a reflexiva e objetiva. Esse movimento não é uma mera invenção humana, mas um reflexo do próprio Absoluto, um passo inescapável no desenvolvimento do espírito. A consciência humana é conduzida a esse processo, que é um desenvolvimento inerente, assim como uma semente se torna uma planta, a consciência humana alcançará seu momento reflexivo.


O desenvolvimento dialético da consciência religiosa apresenta momentos de desvelamento do Absoluto, que Hegel denomina sentimento, intuição e representação. O sentimento é falho por ser mutável, acidental e excessivamente subjetivo. A intuição, embora mais avançada, ainda mantém uma separação entre o sujeito que intui e o objeto intuído. A representação surge como a conciliação dessas divisões, englobando e superando os momentos anteriores, e levando ao verdadeiro saber.


Hegel propõe dois caminhos para o conhecimento de Deus ou do Absoluto: o caminho empírico e o especulativo. O caminho empírico é o mais imediato e acessível, onde a consciência afirma ou nega a existência de Deus. Contudo, ele oferece apenas um conhecimento abstrato e relacional, falhando em responder à pergunta fundamental: "O que é Deus?". Essa certeza imediata e empírica não proporciona um conceito determinado e concreto de Deus, e, portanto, não permite conhecê-lo verdadeiramente.


Essa insuficiência do caminho empírico é uma crítica direta de Hegel ao fideísmo de autores como Schleiermacher e Jacobi. Estes defendiam a incapacidade da razão de capturar ou explicar Deus, apelando para o sentimento ou fé como meios superiores de conhecimento. Hegel, ao contrário, sustenta que é justamente a dimensão abstrata e reflexiva da razão, da consciência, que é essencial para o verdadeiro conhecimento de Deus, uma vez que a fé e o sentimento, por serem imediatos e subjetivos, não teriam o distanciamento necessário para apreender o processo do Absoluto em sua totalidade.



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