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O Hegel Romântico 2/4

Hoje bordaremos nosso segundo texto sobre Filosofia da Religião de Hegel. No primeiro texto debatemos o contexto de Hegel, as revoluções filosóficas e políticas do período. Um dos temas citados foi a filiação de Hegel ao debate kantiano de pensar a religião como um elemento mais moral que trascendente e as consequências posteriores dessa abordagem.


Agora avançaremos um pouco no tempo para discutir outra característica desse jovem Hegel, agora fortemente influenciado pelo Romantismo e pela biologia emergente entre o final do século XVIII e o início do século XIX, nesse período dedicou-se a conceitos fundamentais como Vida, Amor e Deus. Começou a ser visto como proponente de um ateísmo por sua defesa de uma religião imanente, e não transcendente, apesar de não ser este o caso.


A biologia, uma disciplina que se desenvolvia muito rapidamente naquele período, teve seus conceitos, ideias e concepções transbordando para a filosofia, ou talvez até tenham começado na filosofia e depois se tornaram disciplina autônoma. Uma concepção de Vida como uma força dinâmica e como elemento orgânico contaminou todo o debate. O mecanicismo material como força de explicação começa a ser substituído por um dinamismo orgânico.


Para Hegel, vida seria o infinito, a totalidade divina que mais tarde em sua filosofia ele chamaria de "ideia". A vida representa um ideal que se materializa no múltiplo e se reúne em sua unidade. Essa capacidade do uno que se multiplica para se concretizar ou efetivar ecoa numa antiga discussão grega sobre o "Uno", que questionava a origem na qual todo o múltiplo teria partido.


O próprio pensamento é uma forma de vida criadora que não deixa de se confundir com o próprio Deus. Deus, para o jovem Hegel, é este espírito que se realiza e se concretiza em absolutamente tudo o que existe, manifestando-se como vida em constante multiplicação e transformação.


Dessa maneira, o ser humano deve se comportar de forma a espelhar essa dialética da Vida e do Espírito, tentando conciliar a contradição entre razão e sentimentos, entre entendimento e sensibilidade. Ele não pode estar separado e cindido, mas deve buscar essa unificação para alcançar a totalidade.


O conceito que este jovem Hegel, influenciado pelo Romantismo, utiliza para promover essa unificação filosófica e superação da cisão humana é o de Amor. Para ele, o amor é um ato onde o ser humano se autoaliena, esquecendo de si para viver, se vivificar, se exaltar e se realizar no outro.


Nesse processo, o ser humano se reencontra no outro: são dois particulares distintos que se reúnem em uma unidade. Se antes ele era uma coisa fragmentada e incompleta, através do amor ele encontra a unidade quando se reconhece como parte de uma unidade maior do que ele mesmo. Essa unidade maior pode ser numa reunião romântica com outro individuo, pode ser numa identificação e entrega com uma causa política como a defesa da nação ou da revolução.


Este raciocínio é exatamente o mesmo da dialética da vida, na qual a vida é una, mas se divide e multiplica na pluralidade dos seres viventes, manifestando essa capacidade de efetivação. Assim, o conceito de Deus do jovem Hegel é o de pura Vida que se concretiza através da dialética do mundo.


Deus seria esse ponto de partida da Vida em efetivação e dialética, por consequência tudo derivaria Dele, assim como faria parte Dele mesmo. . Esse conceito se mostra como superação do panteísmo, acaba ficando conhecido como panenteísta, onde Deus está presente em toda a totalidade das coisas do mundo, ele não se identifica com as coisas, mas pelo amor os conecta e os liga.


Urbano Zilles chama a atenção para o fato de que Hegel não está tentando provar a existência de Deus, mas sim buscando reconstruir o caminho que o pensamento humano percorre na tentativa de pensar em Deus. Ele está querendo explicar como o ser humano concebe e cristaliza essa ideia de Deus ao longo da história.


E nesse processo, percebe-se que o acesso a Deus se dá através da imanência — aquilo que é interno a você, como uma centelha divina — e não a partir da transcendência, que se refere a algo externo ou independente de você, como uma força fora de si. Essa ênfase na imanência agride um bocado de religiões, porque no fim está afirmando que o Deus transcendente é uma fantasia humana, ou a hipostatização do Amor. Por essa razão, por criticar essa visão de um Deus externo, Hegel pode ser às vezes concebido como um ateísta.


Em um fragmento, o jovem Hegel reinterpreta a Trindade cristã, fazendo uma releitura para pensar os momentos da história da religião e como o ser humano pensou a religião no decorrer do tempo e como isso se cristalizou nas religiões.O Pai, nesse contexto, a totalidade divina, que no ser humano seria a vida da criança que permanece em união inconsciente com o todo, representando a união primitiva e não-cindida. Já o Filho seria o homem comum que se particulariza em seu Eu finito, o indivíduo que se separa da totalidade, vivendo em um estado de alienação. O Espírito Santo, por sua vez, seria o humano que superou sua alienação e retornou à totalidade divina, completando o ciclo de reconciliação e reencontro com o Absoluto.


Com essa releitura da Trindade, Hegel chama a atenção para o fato de que o reencontro com o Absoluto não acontece no conceito ou na obediência à lei moral. Mas sim na vida e no espírito, que são os verdadeiros locais onde essa realização e reconciliação se dão. A religião, para Hegel, teria essa capacidade de reconciliar a Reflexão e o Amor no pensamento, unindo os opostos do finito e do infinito em uma experiência de vida religiosa que promove a totalidade.



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