O Que Significa Conhecer Algo?
- Pedro Cortat
- 18 de fev.
- 5 min de leitura
Atualizado: 26 de fev.
Desde sempre, buscamos entender o que significa "saber" algo. Será que podemos realmente ter conhecimento ou apenas crenças sobre o mundo? O que faz com que uma crença seja verdadeira? Essas são perguntas que fazem parte de um campo da filosofia chamado epistemologia, ou teoria do conhecimento.
O termo epistemologia vem do grego epistēmē (ἐπιστήμη), que significa "conhecimento" ou "ciência", e logia (λογία), que significa "estudo" ou "discurso sobre". Assim, epistemologia pode ser traduzida literalmente como o "estudo do conhecimento". Essa área da filosofia investiga não apenas o que podemos conhecer, mas também como adquirimos conhecimento, quais são seus limites e quais critérios usamos para distinguir entre crença e conhecimento verdadeiro. Desde a Grécia Antiga até os debates contemporâneos, a epistemologia tem sido fundamental para entendermos a natureza do saber e sua relação com a realidade.
Na filosofia grega, doxa (δόξα) e epistēmē (ἐπιστήμη) representam dois tipos distintos de entendimento. Doxa refere-se à opinião, crenças que podem ser verdadeiras ou falsas, mas que não necessariamente têm uma base sólida de justificação. Já epistēmē é o conhecimento verdadeiro e fundamentado, aquilo que pode ser sustentado por razões ou evidências sólidas. Platão, no diálogo Teeteto, explora essa distinção ao questionar: o que realmente diferencia o conhecimento da mera opinião?
Uma resposta clássica que ele propõe é a ideia de que conhecer algo significa ter uma crença verdadeira justificada. Isso quer dizer que, para alguém afirmar que sabe algo, três condições precisam ser atendidas::
Crença – Você precisa acreditar naquilo. Não faria sentido dizer que sabe de algo se não acredita que é verdadeiro.
Verdade – O que você acredita precisa, de fato, ser verdadeiro. Se alguém diz "eu sei que a Terra é plana", isso não pode ser considerado conhecimento, porque a Terra não é plana.
Justificação – Não basta acreditar em algo verdadeiro por sorte. É preciso ter boas razões ou evidências para sustentar essa crença.
Dessa forma, enquanto a doxa pode ser uma crença não verificada, a epistēmē exige uma base justificável que a torne confiável e distinta da mera opinião.
Esse modelo foi amplamente aceito por séculos, mas no século XX, o filósofo Edmund Gettier mostrou que ele tem falhas. Em alguns casos, podemos ter uma crença que seja verdadeira e justificada, mas que não parece ser conhecimento de fato – por exemplo, se alguém acerta a previsão do tempo com base em um palpite e, por acaso, está certo. Isso nos leva a questionar: o que realmente diferencia o conhecimento da mera sorte? De qualquer forma, até proporem uma definição melhor usaremos ela.
Tipos de Conhecimento
Para entender melhor o que sabemos e como sabemos, os filósofos diferenciam dois tipos principais de conhecimento: Os conhecimentos apriori e os aposteri.
A priori – É o conhecimento que pode ser adquirido antes da experiência. Ele não depende de observação ou testes, pois é verdadeiro por definição. Exemplos: "2 + 2 = 4", "Triângulos têm três lados", "Um solteiro é um homem não casado". Esses conhecimentos são considerados universais e imutáveis, pois derivam da lógica e da estrutura dos conceitos, e não do mundo físico.
A posteriori – Esse tipo de conhecimento depende da experiência e da observação. Só podemos confirmá-lo olhando para o mundo ao nosso redor. Exemplos: "Está chovendo agora", só olhando pela janela para saber. Só através de experimentos para nos certificarmos de que "O ferro conduz eletricidade". Esses conhecimentos podem mudar conforme novas informações surgem.
O termo empírico refere-se a tudo aquilo que é baseado na experiência sensorial, observação e experimentação. No contexto da epistemologia, o conhecimento empírico é aquele que adquirimos por meio dos sentidos e da interação com o mundo, sendo classificado como a posteriori, pois só pode ser conhecido após a experiência.
Qual o fundamento da verdade?
A epistemologia busca responder a algumas das questões mais fundamentais sobre o que significa saber algo. Uma das primeiras dúvidas que surgem nesse campo é: será que realmente podemos ter conhecimento ou possuímos apenas crenças? Nem tudo o que acreditamos ser verdadeiro pode ser considerado conhecimento, e isso nos leva a outra questão importante: como podemos distinguir conhecimento de mera crença?
Mesmo que consigamos diferenciar crença de conhecimento, surge um novo problema: até que ponto precisamos estar certos de algo para considerá-lo conhecimento? Se exigirmos certeza absoluta, talvez tenhamos que rejeitar grande parte do que chamamos de saber. Por outro lado, se formos muito permissivos, podemos acabar aceitando crenças frágeis como conhecimento.
Por fim, para que algo seja considerado verdadeiro, é preciso estabelecer critérios confiáveis para sua verificação. Isso nos leva à última questão central da epistemologia: o que é necessário para estabelecer que algo é verdade? Diferentes filósofos deram respostas distintas a essa pergunta, e a forma como encaramos a verdade impacta diretamente o que consideramos ser conhecimento legítimo.
Há diferentes respostas para essa pergunta:
Relativismo – A verdade varia conforme o contexto, a cultura ou a perspectiva individual. Protágoras expressou essa ideia ao dizer: "O homem é a medida de todas as coisas."
Dualismo Platônico – Platão distingue o mundo sensível, onde só há opiniões (doxa), do mundo das ideias, onde está o conhecimento verdadeiro (epistēmē), acessível apenas pela razão.
Realismo Aristotélico – Aristóteles rejeita a separação entre os mundos e afirma que o conhecimento vem da experiência sensorial organizada pela razão, permitindo compreender a realidade concreta.
Teoria da Iluminação – Santo Agostinho propõe que o conhecimento verdadeiro depende da iluminação divina, pois a mente humana sozinha não pode acessar plenamente a verdade.
Ceticismo – Os céticos questionam se podemos realmente alcançar conhecimento absoluto. Talvez nunca possamos ter certeza de que algo é verdadeiro.
Racionalismo – Defende que o conhecimento vem da razão, e não apenas da experiência. Para os racionalistas, algumas verdades são inatas ou dedutíveis pela lógica.
Empirismo – Acredita que todo conhecimento vem da experiência e da observação. Para os empiristas, nada pode ser conhecido sem que tenha sido, de alguma forma, percebido pelos sentidos.
Transcendentalismo (Kant) – Sugere que nosso conhecimento depende tanto da experiência sensorial quanto de estruturas mentais inatas que organizam essa experiência.
Até aqui, vimos que a epistemologia nos ensina que "saber" algo não é tão simples quanto parece. Para realmente conhecer algo, precisamos não apenas acreditar e estar certos, mas também ter boas razões para sustentar essa crença. Ainda assim, existem muitas teorias sobre como justificamos o conhecimento, e cada uma delas tem seus próprios desafios.
Referências:
HUEMER, Michael. Knowledge, Reality, and Value: A Mostly Common Sense Guide to Philosophy. 1. ed. Independently published, 2021.
STICH, Stephen; DONALDSON, Tom. Philosophy: Asking Questions – Seeking Answers. 1. ed. New York: Oxford University Press, 2018.
RAUHUT, Nils Ch. Ultimate Questions: Thinking about Philosophy. 3. ed. New York: Pearson, 2012.
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