Rememoração, Reminiscência, Anamnese: O Conhecimento como Relembrar
- Pedro Cortat
- 10 de mar.
- 3 min de leitura
Como aprendemos algo novo? Se não sabemos algo, como podemos procurá-lo? E se já sabemos, por que precisamos procurá-lo? Esse é o paradoxo do conhecimento apresentado por Platão no diálogo Mênon. Nele, Mênon questiona Sócrates sobre como alguém pode buscar aquilo que não conhece. Afinal, se alguém já soubesse, não precisaria procurar; se não soubesse, nem mesmo saberia o que buscar.
Para resolver esse dilema, Platão propõe a Teoria da Reminiscência, segundo a qual o conhecimento não é adquirido pela experiência sensorial, mas sim recordado pela alma. Isso significa que aprender não é descobrir algo totalmente novo, mas lembrar-se de algo que já estava presente na alma antes do nascimento. Assim, o conhecimento verdadeiro (episteme) não vem dos sentidos, mas da razão, que nos permite acessar as Ideias eternas do mundo inteligível.
No Mênon e no Fédon, Sócrates demonstra que a alma já conhecia as verdades antes de encarnar no corpo. Esse processo de "recordação" é chamado de anamnese ou rememoração. A alma, por sua natureza imortal, já esteve em contato com as Ideias eternas no mundo inteligível. No entanto, ao unir-se ao corpo, esse conhecimento é obscurecido, e precisamos de um estímulo intelectual para recuperá-lo.
A rememoração é ativada pelo questionamento filosófico, que leva o indivíduo a recordar verdades que sua alma já conhecia. Isso implica que o conhecimento verdadeiro não vem da experiência sensorial, mas do pensamento racional. Assim, a busca pelo saber não é um simples acúmulo de informações, mas um despertar da alma para aquilo que já esteve presente nela.
A dialética é o método filosófico que Platão propõe para alcançar a verdade. Diferente da simples repetição de opiniões (doxa), a dialética busca investigar a realidade através do confronto de ideias, questionamentos e raciocínio lógico.
Essa abordagem está intimamente ligada à Teoria da Reminiscência, pois se o conhecimento verdadeiro já está na alma, ele precisa ser despertado por meio do diálogo e do questionamento. Esse processo se assemelha à maiêutica socrática, na qual Sócrates ajudava seus interlocutores a "dar à luz" a verdade por meio de perguntas bem formuladas.
Além de ser um método de investigação, a dialética tem um papel ético e moral. Para Platão, conhecer a verdade não é apenas um exercício intelectual, mas um compromisso com o bem. A ignorância leva ao erro e à injustiça, enquanto o conhecimento nos orienta a agir corretamente. Dessa forma, aprender e buscar a verdade são obrigações morais do filósofo.
No topo da hierarquia do conhecimento platônico está a Ideia do Bem, que ilumina todas as outras Ideias e dá sentido ao mundo inteligível. Platão compara essa Ideia ao Sol, pois assim como o Sol permite que vejamos as coisas no mundo físico, o Bem permite que compreendamos a verdade no mundo inteligível.
A Ideia do Bem não apenas fundamenta o conhecimento, mas também a ética. Para Platão, o conhecimento e a moralidade são inseparáveis. Não basta saber o que é verdadeiro; é preciso agir de acordo com esse conhecimento. Quem realmente conhece o Bem não pode agir de forma injusta, pois a sabedoria conduz naturalmente à retidão.
Essa relação entre conhecimento e moralidade leva Platão a defender que os filósofos devem ser os governantes, pois apenas aqueles que conhecem a verdade e o Bem são capazes de governar com justiça. O verdadeiro líder não pode tomar decisões apenas baseadas na opinião popular (doxa), mas deve buscar a verdade para promover o bem comum, mesmo que isso vá contra os desejos momentâneos da maioria.
Para Platão, saber e agir são inseparáveis. O verdadeiro conhecimento não é apenas teórico, mas deve guiar nossas ações e decisões. A filosofia tem um papel essencial na construção de uma sociedade mais justa, pois apenas aqueles que conhecem a verdade podem agir corretamente.
O aprendizado, portanto, não é apenas um direito, mas um dever moral. Buscar a verdade significa buscar o bem, e agir sem conhecimento é arriscar-se ao erro e à injustiça. Assim, a epistemologia platônica não se limita à teoria do conhecimento, mas tem consequências profundas na ética e na política. Somente através da razão podemos alcançar a verdadeira justiça.
COELHO, Humberto Schubert. O pensamento crítico: história e método. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 2022. ISBN 978-65-89512-41-7. Disponível em formato digital.
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