Limites do Conhecimento
- Pedro Cortat
- 18 de ago.
- 13 min de leitura
Os Limites do Conhecimento
A pergunta sobre os limites do conhecimento é, por si só, um teste às capacidades do próprio conhecimento. Para abordá-la, é necessário antes responder a uma questão ainda mais fundamental: o que é conhecer? A dificuldade de definir com precisão o que se entende por “conhecimento” já evidencia uma primeira fronteira. Não é apenas uma questão de quantidade, de tudo aquilo que ainda não sabemos, mas também de natureza: há coisas que podemos saber? Há algo que jamais poderemos saber?
Ao longo da história, pensadores tentaram classificar os diversos tipos de conhecimento. Sabemos que há diferenças entre o “saber que” (declarativo), o “saber como” (procedimental), o conhecimento pessoal, baseado na experiência, e o conhecimento compartilhado por grupos e sociedades. Karl Popper, por exemplo, propôs uma teoria dos três mundos, na qual o Mundo 2 reúne o conhecimento subjetivo, individual, e o Mundo 3 abriga o conhecimento objetivo, existente fora das mentes, como as teorias científicas, obras de arte e construções matemáticas. Mas essas classificações, embora úteis, não resolvem o problema central: o que significa, de fato, saber alguma coisa?
A filosofia clássica, desde Sócrates, tentou responder a isso. Uma das respostas mais influentes é a definição de conhecimento como crença verdadeira justificada. Essa definição, embora sólida à primeira vista, enfrenta sérias objeções, e expõe um problema mais profundo: como podemos ter certeza de que nossas justificativas são realmente válidas? A partir desse ponto, torna-se possível enxergar não apenas as fronteiras externas do conhecimento, mas também seus limites internos, as condições que tornam possível (ou impossível) sabermos algo com segurança.
Este texto explora esses diferentes tipos de limite: os epistemológicos, os sensoriais, os cognitivos, os tecnológicos, os lógicos, os cosmológicos e até os metafísicos. Em vez de buscar uma resposta definitiva, a proposta aqui é mapear o terreno da questão, observando como os limites do conhecimento se revelam em suas muitas formas — e como, paradoxalmente, o próprio esforço de conhecê-los é parte do nosso impulso mais profundo por saber sempre mais.
Antes de se perguntar sobre o que não podemos saber, é preciso perguntar: o que é saber? Ao longo da tradição filosófica ocidental, especialmente desde Platão, uma das tentativas mais influentes de definir conhecimento é o modelo da Crença Verdadeira. De acordo com essa concepção, alguém só pode ser dito verdadeiramente conhecedor de algo se três condições forem satisfeitas: a pessoa acredita na proposição (crença), a proposição é verdadeira (verdade), e há boas razões ou evidências para sustentar essa crença (justificação).
À primeira vista, essa definição parece sólida. Afinal, se alguém diz que “sabe” algo que é falso, ou algo em que não acredita, ou algo para o qual não tem justificativa, sua pretensão ao conhecimento parece frágil. No entanto, a simplicidade do modelo foi colocada em xeque de maneira decisiva por Edmund Gettier, em 1963.
Os chamados contraexemplos de Gettier demonstram que é possível ter uma crença verdadeira com uma justificativa plausível e, ainda assim, não possuir conhecimento genuíno. Imagine, por exemplo, alguém que olha para um relógio parado e, sem saber disso, diz que são 14h e de fato são 14h. Embora a crença seja verdadeira e aparentemente justificada, o acerto foi apenas uma coincidência. O que parecia ser conhecimento se revela como sorte disfarçada de certeza. Esse exemplo mostra que a qualidade das justificações que usamos para sustentar nossas crenças pode ser fundamentalmente instável ou insuficiente.
Esse desafio nos leva a uma reflexão mais profunda: talvez o conhecimento não seja apenas uma questão de acumular proposições verdadeiras com boas razões. Talvez seja necessário considerar também os processos cognitivos, os contextos de descoberta, os instrumentos de validação e até os limites estruturais da mente humana.
Assim, a definição de conhecimento já carrega em si um limite: não está claro quando realmente sabemos algo. O problema não é só o que ainda falta saber, mas também o quanto podemos confiar naquilo que já acreditamos saber. Essa dúvida lança uma sombra sobre todo o edifício do conhecimento, abrindo espaço para uma análise ainda mais crítica dos métodos que usamos para adquirir e validar saberes.
1. Limites Empíricos e Científicos
No campo do conhecimento empírico, ou seja, aquele baseado na observação e na experiência sensível, os limites se apresentam de forma especialmente intrigante. A ciência moderna frequentemente vista como a mais poderosa ferramenta de produção de conhecimento, também opera dentro de restrições fundamentais.
Um dos filósofos que mais profundamente refletiu sobre esses limites foi Karl Popper. Em oposição à ideia de que a ciência confirma teorias por meio da observação, Popper propôs o princípio da falseabilidade: uma teoria científica só pode ser considerada genuína se for possível imaginar uma forma de prová-la falsa. Segundo ele, não importa quantos cisnes brancos sejam observados; a proposição “todos os cisnes são brancos” permanece vulnerável, bastando um único cisne negro para invalidá-la.
Essa abordagem redefine a lógica da investigação científica: em vez de buscar provas definitivas, a ciência deve se organizar como uma sucessão de conjecturas ousadas que resistem, até certo ponto, à tentativa de refutação. O conhecimento, nesse sentido, nunca é definitivo, mas sim um processo contínuo de aproximação, guiado pelos erros e pelas correções.
Popper argumenta, portanto, que o verdadeiro motor do progresso científico é a falibilidade: só aprendemos quando percebemos que estávamos errados. Cada erro, cada teoria superada, marca uma etapa no avanço do saber. O conhecimento cresce, paradoxalmente, por meio do reconhecimento de seus próprios limites.
Essa ideia ecoa na famosa frase atribuída a Albert Einstein: “Quanto mais aprendo, mais percebo o quanto não sei.” O conhecimento científico se revela, então, como um esforço infinito, uma espécie de horizonte que se afasta na medida em que nos aproximamos dele.
Mas essa abertura infinita não significa ausência de fronteiras. A ciência é, desde seu nascimento, condicionada por instrumentos, métodos, linguagem formal e critérios empíricos. E mesmo quando ela avança parece que os próprios limites do conhecimento se deslocam, mas nunca desaparecem por completo. Assim, a própria ciência, longe de fornecer respostas finais, nos ensina a humildade diante do desconhecido e nos prepara para reconhecer que os limites do saber não são falhas do conhecimento, mas talvez sua própria condição de possibilidade.
2. Limites Cognitivos e Epistemológicos: Kant e a Mente Humana
Se Karl Popper nos mostrou os limites do conhecimento empírico, Immanuel Kant foi o grande pensador a evidenciar os limites internos do sujeito que conhece. Em A Crítica da Razão Pura (1781), Kant propõe uma reviravolta radical: não é o sujeito que se conforma ao mundo para conhecê-lo, mas sim o mundo, enquanto aparece à nossa consciência, que se conforma às estruturas da mente humana.
Segundo Kant, o que percebemos do mundo não é o “mundo em si” (noumeno), mas o mundo tal como se apresenta a nós: o fenômeno. Essa apresentação é mediada por formas a priori da sensibilidade (tempo e espaço) e por categorias do entendimento, como causalidade, substância, unidade e pluralidade. Ou seja, todo conhecimento da realidade passa obrigatoriamente por um “filtro” cognitivo: os óculos invisíveis da razão que determinam como os dados sensoriais são organizados e compreendidos.
Essa estrutura mental não é uma falha, mas uma condição da possibilidade do conhecimento. Contudo, ela impõe um limite fundamental: jamais poderemos conhecer as coisas como são em si mesmas, pois estamos presos ao modo como elas aparecem a nós. É como se navegássemos sempre à vista da costa — a costa da experiência — sem jamais poder lançar âncora no alto-mar do absoluto.
Kant ilustra isso com uma analogia inspirada na mitologia: assim como os Pilares de Hércules marcavam o fim do mundo conhecido na Antiguidade, também há um ponto além do qual a razão não pode ir sem naufragar. Esses pilares simbólicos nos impedem de navegar para além da experiência em busca de respostas definitivas sobre Deus, a alma, o livre-arbítrio ou a totalidade do universo. Podemos pensar sobre essas ideias, mas não saber nada com certeza sobre elas.
Assim, os limites do conhecimento não estão apenas no que falta observar ou compreender, mas na própria estrutura da mente que conhece. Podemos expandir nossos sentidos com telescópios e microscópios, podemos criar linguagens formais para teorias complexas, mas continuamos presos às condições cognitivas que tornam possível qualquer experiência significativa. Conhecemos o mundo, sim, mas sempre à maneira humana.
3. Limites Práticos e Tecnológicos
Se Kant nos alertou para os limites intransponíveis impostos pela estrutura da mente humana, o progresso científico e tecnológico parece, à primeira vista, oferecer uma alternativa: ampliar as fronteiras do conhecimento por meio da criação de ferramentas que estendem nossas capacidades sensoriais, cognitivas e computacionais.
Desde os telescópios de Galileu até os aceleradores de partículas modernos, a humanidade tem recorrido à tecnologia para tornar visível o invisível, audível o inaudível, compreensível o que antes era mistério. Com auxílio de sondas, espectrômetros, algoritmos de aprendizado de máquina e simulações quânticas, conseguimos acessar escalas do universo, do subatômico ao cosmológico, que estavam além de qualquer experiência direta.
Essa expansão da percepção nos permite contornar limitações biológicas. Um exemplo emblemático é o esforço para fazer cegos congênitos “verem” por meio da estimulação direta do córtex visual. Ferramentas tecnológicas, nesse caso, não apenas mediam a realidade, mas reconstroem sentidos humanos a partir de outros caminhos neurais. Thomas Nagel, ao perguntar “Como é ser um morcego?”, indicava a dificuldade de comunicar a experiência subjetiva de uma consciência distinta, mas os avanços atuais desafiam essa distância entre o saber objetivo e o sentir subjetivo.
Mais ainda: a inteligência artificial, associada à computação de alta performance e aos modelos de linguagem, tem o potencial de reformular não apenas o volume de conhecimento acessível, mas também as formas de o produzir. A inteligência aumentada pode ajudar a reconhecer padrões que escapam à intuição humana, gerar hipóteses inéditas e até colaborar na formulação de teorias.
No entanto, persiste uma dúvida fundamental: será que essas tecnologias realmente ultrapassam os limites cognitivos ou apenas os ampliam dentro da mesma moldura conceitual? As máquinas, por mais poderosas que se tornem, ainda operam a partir das categorias que nós mesmos criamos ou compreendemos. Mesmo que uma inteligência artificial venha a pensar de modos hoje inconcebíveis para nós, seremos capazes de entender o que ela descobriu?
Esse dilema traz de volta a questão kantiana, agora sob nova forma: poderemos transcender as fronteiras da cognição humana por meio de artefatos que nós mesmos projetamos com base nela? Ou estaremos sempre construindo espelhos ampliados da mesma estrutura racional?
A resposta ainda está em aberto. Por ora, a tecnologia serve como ponte entre o conhecido e o desconhecido, e, talvez, também como um lembrete de que toda ampliação do saber traz consigo novos limites, antes invisíveis.
4. Limites Lógicos e Matemáticos
Se a ciência empírica nos mostra que o mundo é vasto demais para ser inteiramente observado, a lógica e a matemática revelam um paradoxo ainda mais desconcertante: mesmo os sistemas formais criados pela razão mais rigorosa possuem limites internos inevitáveis.
Essa constatação foi feita por Kurt Gödel, em 1931, com seus célebres teoremas da incompletude. Em resumo, ele demonstrou que, em qualquer sistema matemático consistente e suficientemente complexo, sempre haverá proposições verdadeiras que não podem ser provadas dentro do próprio sistema. Isso significa que há verdades matemáticas que, embora reais, estão além da capacidade de demonstração daquele conjunto de regras e axiomas.
Esse resultado destruiu de vez a esperança, alimentada por alguns matemáticos, de criar um sistema lógico totalmente fechado e autossuficiente, no qual todas as verdades pudessem ser derivadas mecanicamente a partir de princípios básicos. A razão humana, mesmo quando formalizada em linguagem matemática, depara-se com um abismo de incompletude: a verdade, em certo sentido, sempre escapa por alguma fresta.
Um desdobramento dessa ideia aparece no chamado paradoxo da incognoscibilidade. Ele afirma: "A menos que se saiba tudo, sempre haverá verdades que, por sua própria natureza, permanecerão desconhecidas." Ou seja, enquanto o conhecimento for parcial, e ele sempre será, haverá verdades que não apenas não sabemos, mas não podemos sequer saber.
Essa limitação lógica tem um paralelo direto com o mundo físico. A vastidão do universo, talvez infinita, torna grande parte de sua matéria e energia inobservável e, em muitos casos, inacessível em princípio. Há regiões do cosmos das quais nenhuma informação jamais poderá nos alcançar, por causa da velocidade da luz e da expansão acelerada do espaço. Assim como na matemática, há limites físicos àquilo que podemos saber, não por ignorância ou falha técnica, mas porque certas informações simplesmente não podem nos atingir.
Essas descobertas desafiam a visão triunfalista da razão humana. Mesmo no domínio da abstração pura, onde julgávamos ter controle absoluto, somos confrontados com barreiras que não podemos remover, apenas contornar ou aceitar. O saber não é um edifício linear rumo à totalidade, mas sim um campo com zonas de sombra que crescem à medida que expandimos as áreas iluminadas.
Portanto, os limites do conhecimento não decorrem apenas da falta de dados ou de tecnologia. Eles se enraízam no próprio funcionamento da lógica, nas estruturas formais da razão. E o que isso nos ensina é talvez uma das lições mais importantes de todas: saber até onde não se pode saber também é uma forma profunda de conhecimento.
5. Limites Ontológicos e Cosmológicos
Se os limites lógicos e formais já nos confrontam com verdades inalcançáveis, os limites ontológicos e cosmológicos nos levam ainda mais longe. Isto é, ao reconhecimento de que pode haver aspectos da realidade que estão definitivamente fora do alcance humano, tanto em termos práticos quanto conceituais.
Em primeiro lugar, existem fatos que são teoricamente compreensíveis, mas inacessíveis na prática. Um exemplo simples é: O que Júlio César comeu no café da manhã em seu sétimo aniversário? Embora a pergunta faça sentido e a resposta possa, em princípio, existir, nenhum vestígio confiável sobre ela chegou até nós e provavelmente nunca chegará. O conhecimento desse tipo é simplesmente irrecuperável.
Mais intrigante ainda são os fatos que são inacessíveis mesmo em princípio, como aqueles que se encontram além do nosso horizonte cosmológico. Devido à expansão acelerada do universo, há regiões tão distantes que a luz (ou qualquer outro sinal) que parte delas jamais chegará até nós, não importa quanto tempo passe. Existem eventos e objetos dos quais nada poderá ser sabido por nenhum observador aqui.
Além disso, há questões que talvez não sejam apenas desconhecidas, mas incognoscíveis. Filosoficamente, isso toca o problema das chamadas perguntas últimas:
a) Por que existe algo em vez de nada?
b) Qual é a origem da consciência?
c) Existe livre-arbítrio?
d) Qual é a natureza última da realidade?
Alguns filósofos defendem o chamado misterianismo cognitivo. A ideia de que certos problemas estão além da nossa estrutura mental, da mesma forma que um cão não pode compreender cálculo diferencial. Podemos perceber que há um problema ali, mas não temos ferramentas conceituais ou cognitivas para resolvê-lo, nem talvez para formulá-lo com clareza.
Há ainda uma possibilidade mais radical: pode haver fatos ou entidades dos quais nem sequer suspeitamos. Em outras palavras, o universo pode conter formas de realidade totalmente fora do nosso radar conceitual, que nem conseguimos imaginar. Esses seriam os verdadeiros desconhecidos, aquilo que está além até da pergunta, não apenas da resposta.
Esse reconhecimento nos obriga a uma dose de humildade cósmica. Como disse o físico Thomas Hertog, falando sobre as limitações da investigação de cordas: “Você precisaria de um acelerador de partículas do tamanho do sistema solar para testar algumas dessas hipóteses.” Mesmo com os avanços tecnológicos mais ousados, há escalas de realidade que talvez permaneçam para sempre fora do nosso alcance experimental e teórico.
Assim, os limites ontológicos e cosmológicos não são apenas barreiras externas, mas também horizontes móveis que se estendem na medida em que avançamos. E, talvez, cada passo rumo ao desconhecido nos revele novas fronteiras, em um processo sem fim.
6. Acúmulo Contínuo e Conhecimento Coletivo
Diante de tantos limites — sensoriais, lógicos, cognitivos, cosmológicos — seria tentador concluir que o conhecimento humano está condenado a girar em torno de seus próprios muros. No entanto, há uma dimensão muitas vezes esquecida que redefine a própria noção de “limite”: o caráter coletivo, acumulativo e histórico do saber.
O conhecimento não é uma posse individual, mas um patrimônio compartilhado e intergeracional. Ele cresce não porque cada mente humana se torna mais poderosa, mas porque as descobertas de uns alimentam e capacitam os esforços de outros, numa rede progressiva de interdependência. Newton dizia que via mais longe porque estava “nos ombros de gigantes” e hoje, até os ombros desses gigantes se multiplicaram em comunidades científicas, bancos de dados, bibliotecas digitais e modelos computacionais capazes de processar mais do que qualquer cérebro isolado.
Esse processo não se limita à ciência. A linguagem é talvez o exemplo mais notável de um sistema que não só organiza o mundo, como expande continuamente suas possibilidades. Se em Kant a linguagem podia ser pensada como um meio limitado de expressar os dados da experiência, hoje ela é vista também como ferramenta criativa, capaz de forjar novos conceitos, descrever realidades alternativas e até antecipar possibilidades ainda não realizadas. Como sugeria Wittgenstein, “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. mas será que se a linguagem muda, os limites do mundo também mudam.
Além disso, o conhecimento humano não cresce apenas em profundidade (ao explorar cada vez mais um mesmo campo), mas também em hibridização. Áreas como biologia e computação, ética e tecnologia, arte e inteligência artificial, antes separadas se misturam, criando novos espaços de saber. À medida que as disciplinas dialogam, surge um saber que nenhum indivíduo ou campo poderia produzir isoladamente.
Essa expansão, contudo, traz uma nova forma de limite: a impossibilidade da onisciência individual. Nenhum ser humano, por mais inteligente, consegue dominar sequer uma fração significativa do saber humano atual. O conhecimento se tornou tão vasto e especializado que depende de estruturas sociais e tecnológicas para se manter acessível, compreensível e útil.
Mas talvez esse não seja um limite no sentido tradicional — talvez seja apenas uma mudança de escala. O conhecimento não é mais um mapa que cabe numa única mente, mas um ecossistema vivo, em constante crescimento, autorreferente, colaborativo. E justamente por isso, ele não parece caminhar rumo a um ponto final, mas a um processo infinito de descoberta e reinvenção.
Considerações Finais
O conhecimento humano avança entre paradoxos: quanto mais sabe, mais percebe o que não sabe; quanto mais domina a natureza, mais se vê limitado por sua própria natureza; quanto mais amplia os instrumentos de ver, mais enxerga aquilo que jamais poderá ver.
Ao longo da história, aprendemos que o saber não é uma escada que leva ao absoluto, mas um campo em expansão com fronteiras móveis, sempre rodeado por brumas. Os antigos acreditavam que a verdade era um ponto fixo a ser alcançado com esforço. Hoje, sabemos que o próprio terreno muda sob nossos pés, e que algumas verdades simplesmente não são acessíveis — nem mesmo formuláveis.
Por outro lado, esse reconhecimento não é um motivo para desistência, mas um convite à humildade intelectual e à criatividade. Saber que não sabemos tudo é também o que nos motiva a perguntar, experimentar, cruzar fronteiras disciplinares, imaginar o que poderia ser. O limite, aqui, deixa de ser uma parede e se torna um contorno provisório do possível.
A filosofia, nesse cenário, continua a ter um papel vital. Ela não apenas aponta os limites do conhecimento, como reflete sobre o próprio ato de conhecer, seus pressupostos, suas implicações éticas, suas zonas de sombra. E faz isso não para paralisar, mas para orientar com mais clareza os rumos do saber, num mundo cada vez mais veloz, complexo e imprevisível.
Se existe um ponto final para o conhecimento, ele não está à vista. Mas talvez isso seja o melhor que se pode desejar: que o saber permaneça sempre em busca, sempre inquieto, sempre aberto ao que ainda não foi pensado.
Referência:
Gettier, Edmund L. “Is Justified True Belief Knowledge?” Analysis 23.6 (1963): 121.
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